O Zoroastrismo ou
Mazdeismo, criado por Zaratustra (chamado de Zoroastro pelos gregos) é uma das
mais antigas religiões monoteístas. Em sua época de ouro, foi a religião de
Estado de três grandes impérios iranianos, dos séculos VI AC até VII DC.
Segundo Flavia Galli Tatsch, “o conceito de livre-arbítrio, a noção de
responsabilidade por seus atos e até mesmo pensamentos, a crença na ressurreição
e de um julgamento final, que separará os bons dos maus, são alguns preceitos
que influenciaram outras religiões, como o judaísmo, cristianismo e islamismo”,
Seu criador,
Zaratustra Spitama, nasceu em uma região que hoje engloba o norte do Irã e sul do
Afeganistão. A provável data de seu nascimento é entre 1500 e 1200 AC. Temos
pouca informação sobre sua vida. Ele teria seguido a tradição e se tornado um
sacerdote. Casou-se três vezes e levava uma vida simples e com poucos bens.
Aos 30 anos, durante
um ritual de purificação, ele teve uma visão e se tornou então criador,
sacerdote e profeta de uma nova religião. Ele percebe que a sabedoria e a
bondade estavam separadas da fraqueza e da crueldade. Zoroastro acreditava
estar sendo guiado diretamente por Ahura Mazda, o Ser Supremo e passou a
transmitir sua mensagem na comunidade onde vivia.
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Representação de Ahura Mazda |
As novas ideias
entraram em direto conflito com as praticas religiosas existentes e Zoroastro
precisou fugir em busca de refugio contras as perseguições que sofria, encontrando
então guarita na tribo da rainha Hutaosa e de seu marido Vishtaspa, estes que
futuramente se converteriam à religião propagada por seu amigo e o protegeriam
das perseguições.
Um grande ponto de
conflito entre as ideias de Zoroastro com as antigas religiões era o conceito
de salvação, independente de classes sociais, uma ideia de que todos seriam
iguais após a morte, com seu destino final unicamente dependente dos atos que
tiveram em vida. Isso afeta diretamente a aristocracia e o sacerdócio local. A
crença em um único criador, o dualismo, a grande batalha cósmica e o julgamento
final foram difíceis de serem aceitos pela comunidade que era até então
politeísta.
As antigas práticas religiosas do povo
indo-iraniano, que viviam entre as terras das estepes ao sul da Rússia até o
Volga, contava com um panteão de deuses concebido antropomorficamente. Seus
deuses(daevas) eram ligados a fenômenos da natureza ou a conceitos diversos.
Atar( fogo), Apa (água), Asman (céu), Zam ( Terra), Hyar (sol), Mah (lua), Vata
e Vayu( deuses do vento). Airyaman (poder da amizade), Arshtat (justiça),
Ham-Vareti (coragem) e Sraosha (obediência). Acima desses deuses, dois se
destacavam. Eram eles: Apan Napat e Mithra. Eram amplamente venerados e a eles
eram atribuídos muitos conceitos: ao primeiro, “juramento”, “verdade”, já a
Mithra o “contrato”, o deus do sol, o maior dos fogos, a lealdade. Ambos tinham
o titulo de Ahura, que significa “deus”, “senhor”.
AHURA MAZDA E A ESCOLHA ENTRE O BEM O MAL
Seguindo a tradição,
após se tornar sacerdote aos 15 anos, Zaratustra vagou durante muito tempo em
busca da verdade, até que finalmente a alcançou durante um ritual. Ao sair de
um rio e retornar à margem, purificado pela água, ele teve uma visão. Um ser
iluminado, Vohu Manah (o bom pensamento) o levou até a presença de Ahura Mazda
e outros cinco seres divinos: Asha Vahishta( verdade perfeita), Spenta Armaiti
(devoção sagrada), Khshathra Vairya (senhoria desejável), Haurvatãt (saúde,
integridade) e Ameretãt (imortalidade). Essas 6 divindades já existiam e
pertenciam ao panteão de deuses
indo-iraniano e foram incorporadas como “características de Mazda”,
representando as virtudes, sendo nomeados de Amesha Spenta).
Mazda se tornou um
dos maiores Ahuras do panteão iraniano, era venerado como guardião do Asha
(Ordem da verdade, justiça). Zaratustra o proclamou Ahura Mazda, o Senhor
Supremo, o imortal, Deus da sabedoria, o criador de todas as coisas, aquele de
que emanavam todas as outras criaturas divinas, dando então origem ao monoteísmo
indo-iraniano.
Em outra visão de
Zoroastro, o criador estava acompanhado por seus dois filhos gêmeos, Spenta
Mainyu (espírito benfeitor) e Angra Mainyu (espírito destruidor, ignorante,
maligno, aquele que originou a morte). Nasce então o conceito da dualidade, o
bem e o mal. Os espíritos deveriam escolher entre a verdade (asha) ou a
falsidade, a maldade, mentira (drug), que existem em todos os pensamentos ou
atos. Nessa teologia, o bem e o mal precedem o próprio criador, os gêmeos
tiveram o livre-arbítrio para optar pelo caminho que quisessem seguir e suas
escolhas foram baseadas na natureza de cada um. Dessa forma, Ahura Mazda não
pode ser culpado pela origem do mal ou pela direção que seu filho Angra Mainyu
seguiu, pois, o drug antecede a própria criação do espírito. Porém, em sua
sabedoria, onipotência e bondade, o Senhor Supremo já antevia qual seria a
opção dos filhos.
Esse preceito
transformou a classificação dos deuses existentes na antiga religião, na qual
Ahuras e Daevas eram seres divinos. A partir desse ponto, os primeiros seriam
considerados como aqueles que optaram pelo asha, enquanto os últimos seriam
forças destrutivas, demônios ou deuses da guerra, seguidores do drug.
O asha tem
implicações éticas também na conduta humana. Sob esse ponto de vista dualista,
os homens tem o livre-arbítrio para escolher entre os dois caminhos. O Mazdeísta
(aquele que escolhia Azura Mazda) optava pelas virtudes e, portanto deveria
lutar contra seus contrários, as forças demoníacas representadas pelos daevas.
A doutrina de
Zoroastro estava apoiada em uma ética e moralidade que infundia nos homens a
preocupação de viver sempre com bons pensamentos e atos e de terem
responsabilidade sobe o mundo ao seu redor.
O MITO DA CRIAÇÃO E JULGAMENTO FINAL
Zoroastro dividiu a
historia “cósmica” em três etapas distintas: Bundahishn (a criação), Gumecishn
(a mescla) e Franshegird (a separação ou renovação).
O Bundahishn se deu
em duas fases: na primeira, Ahura Mazda deu vida a todas as coisas em um estado
espiritual e imaterial, Menog, totalmente vulnerável ao mal e passível de
ataques por Angra Mainyu. Na segunda etapa, o estado inicial do Menog se
transforma, originando e adquirindo o getig, (o aspecto material e físico da
existência).
O Gumecishn é momento
em que o espírito mal mata o touro e o homem primordiais, de cujos sêmens
nasceram tanto de animais bons, quanto do primeiro casal humano (mashya e
Mashyãnag). Nessa etapa, Angra Manyu se juntou aos devaes e espíritos maus (que
havia criado para fazer frente aos Amesha Spenta) para atacar os homens e
causar-lhes sofrimentos morais, espirituais e físicos. O mundo então não era
mais totalmente bom, mas uma mistura entre o bem e o mal.
Na terceira etapa,
Franshegird (renovação), marcada pela purificação do fogo e a transformação da
vida, a humanidade se junta aos yazatas para restaurar o mundo a seu estado
inicial, ou seja, antes da existência e dos ataques de Angra Mainyu. Nesse
momento o bem é separado do mal, os justos dos injustos. É o tempo no qual
Ahura Mazda, os seis Amesha Spenta e a humanidade viverão em perfeita harmonia
pela bondade e paz eterna.
O PENSAMENTO DO HOMEM DIANTE DA MORTE
Entre a primeira e a
ultima etapa, está o momento em que o bem o mal se enfrentam, e é nesse momento
que vivem os homens. Vamos ver então um pouco mais sobre a visão mitológica
sobre como o adepto dessa crença religiosa vê a morte.
Após a vida, a morte
carrega as almas de volta ao estado de menog. Três dias depois da separação do
corpo, o espírito, acompanhado dos deuses Sraosha e Rashnu é levado até a ponte
Cinvat, local onde será julgado por um tribunal presidido por Mithra (note aqui
outra importante figura do panteão antigo que foi incorporado a essa
mitologia). A alma é então pesada em uma balança e avaliada segundo seus
pensamentos, palavras e atos: se o prato da balança pender para o bem, a ponte
se alarga permitindo passagem da alma para o paraíso acompanhada por uma bela
donzela (personificação da própria consciência, daena), mas se o prato pender
para o mal, a ponte se estreita e uma terrível harpia leva a alma para o
inferno que é presidido em pessoa por Angra Mainyu. Existia também um terceiro
lugar onde as almas daqueles que não eram nem bons nem maus seriam
encaminhadas, denominado Misvan Gatu (o lugar dos misturados). Segundo
Zoroastro, mesmo estando no paraíso, as almas boas só alcançariam a felicidade
plena no Frashegird, quando a terra devolveria os ossos aos mortos. Essa
espécie de ressurreição, seria antecipada por um julgamento final, no qual um
rio de lava e metal derretido separaria os justos dos injustos. Os maus
sofreriam uma segunda morte, juntamente com os daevas e as legiões da
escuridão. Seria assim então, finalmente derrotado Angra Mainyu e tudo que ele
representava desapareceria do universo. Após essa vitoria, Ahura Mazda e os
Amesha Spenta realizam um último ritual (yasna) no qual é feito um ultimo
sacrifício e a morte é então suprimida. Dessa forma, os bons agora
ressuscitados ganham a imortalidade, a vida eterna.
AS CERIMÔNIAS RELIGIOSAS
No principio a nova doutrina não tinha nenhum caráter ritualístico. Apesar de haver oposição ao culto dedicado aos daevas. Percebemos que algumas praticas oriundas de antigas regiões foram incorporadas, como a ingestão do Haoma(chá alucinógeno) e sacrifícios de animais. Zoroastro não tentava extinguir esses ritos, porem criticava tanto a crueldade aplicada aos animais quanto a absorção desmedida da bebida alucinógena. Com o passar do tempo e a adesão de novos fieis, o ritual diário de oração (yasna) passou a agregar novas formas de liturgia que se preservaram até os dias de hoje.
Grande parte dos
rituais enfatiza a purificação da mente e do corpo e a constante batalha contra
Angra Mainyu. O fogo é visto com o mais alto símbolo de pureza e representa a
luz de Ahura Mazda bem como a mente iluminada. Por esse motivo, os cultos eram
sempre realizados na presença de um fogo sagrado, que era mantido nos Templos
do Fogo (agiaries).
Os iniciados da
antiga religião indo-ariana tinham o costume de usar um cordão trançado ao
redor do pescoço, como símbolo de pertencimento a comunidade religiosa. A nova
doutrina apropriou-se desse simbolismo, porém, ampliou o uso e significado
original: a iniciação é estendida a todos, independente de classe social ou
sexo. Na cerimônia do Navjote ou Sedreh-Pushi, celebrada por um sacerdote
(mobed), a criança entre 7 e 15 anos recebe um cordão (kusti) e enrola-o como
um cinto três vezes ao redor da cintura, amarrado na frente e atrás. A partir
de então e pelo resto de sua vida, deve atar e desatar o cordão repetidamente
durante as preces. Zaratustra também estabeleceu a obrigação de cinco orações
individuais diárias e a celebração de festas comunais.
ZOROASTRISMO ONTEM E HOJE
Ao longo dos séculos,
o zoroastrismo teve momentos de apogeu como religião de Estado de três grandes
impérios e posterior declínio.
Séculos VI-IV AC,
durante a dinastia Aquemenidas, unificou os reinos medos e persas e expandiu
seus domínios pela Ásia menor, babilônia, norte da África até as margens do rio
Danúbio na Europa, estabelecendo o primeiro Império Persa. Ciro o grande e seus
sucessores praticaram a tolerância religiosa, porém privilegiavam o
zoroastrismo e tentavam governar segundo os princípios do asha.
Após estar firmemente
estabelecido, o zoroastrismo sofre um grande golpe com a invasão da Ásia Menor
por Alexandre da Macedônia e a conquista dos territórios do império. Muitos
sacerdotes são sacrificados e grande parte dos textos destruída.
Durante a dinastia
dos sassânidas, muitos aspectos do zoroastrismo foram desenvolvidos, podemos
citar: a compilação dos textos do avesta e dos gãthas, a promoção dos tempos do
fogo, o impedimento de uso de imagens durante os rituais, a extensão da
liturgia e escritura de textos sagrados, reformas no calendário zoroastriano
que passou a ter 365 dias no ano.
A partir do sec VII
Dc, árabes, turcos e mongóis alternaram-se no domínio da Pérsia. O golpe que o
zoroastrismo sofreu foi ainda maior, tendo livrarias destruídas, imposição da
língua árabe sobre o persa, conversões forçadas e humilhações sociais que
tornaram a vida dos adeptos muito difícil. A antiga religião de Estado passou
então a ser praticada por uma minoria. Chamados de parsi, seguidores de
Zaratustra sobrevivem até hoje e estão dispersos pela Índia, Paquistão, Siri
Lanka, Irã e até mesmo em alguns países do ocidente.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELIGIÃO
Pela
simplicidade da religião persa, juntamente ao emprego da moral e preocupação
com benfeitorias do mazdeísmo, o homem médio adaptava-se facilmente e se via
encorajado à ação e a luta pelo progresso. Na luta contra o mal, o adepto do
zoroastrismo tem uma vasta visão que se projeta na vida pós-morte onde suas
boas ações seriam recompensadas.
Conclui-se
que se a Antiguidade não tivesse concebido o cristianismo, teriam aceitado o Mitraísmo
ou o maniqueísmo. O Mitraísmo, maniqueísmo e, Gnosticismo, são as principais
expressões da influência religiosa persa.
Podemos perceber que
o Mazdeismo absorveu diversos aspectos do politeísmo que o precedeu, como
algumas das divindades, alguns símbolos e até mesmo certas práticas
cerimoniais.
Ao observar essa
religião, podemos perceber também claramente que ela teve grande influencia
sobre o Judaísmo, Cristianismo e o Islamismo.
Em relação ao
Cristianismo, que é a religião majoritária no Brasil, notamos as seguintes
semelhanças:
1 - O conceito de bem e mal, ou seja, a dualidade;
2- Um Ser Supremo, que é o Deus criador de todas as coisas;
3- Semelhanças no mito de Lúcifer ao qual podemos equivaler a Angra Mainyu;
4 – Adão e Eva e o pecado original, ao qual podemos fazer referencia ao conto de mashya e Mashyãnag (o casal original);
5 – O conceito de livre-arbítrio;
6- Paraíso/inferno/purgatório;
7 – O julgamento final;
8 – A ressurreição e a vida eterna após o Franshegird(Apocalipse);
9 – A derrota do mal no Franshegird;
1 - O conceito de bem e mal, ou seja, a dualidade;
2- Um Ser Supremo, que é o Deus criador de todas as coisas;
3- Semelhanças no mito de Lúcifer ao qual podemos equivaler a Angra Mainyu;
4 – Adão e Eva e o pecado original, ao qual podemos fazer referencia ao conto de mashya e Mashyãnag (o casal original);
5 – O conceito de livre-arbítrio;
6- Paraíso/inferno/purgatório;
7 – O julgamento final;
8 – A ressurreição e a vida eterna após o Franshegird(Apocalipse);
9 – A derrota do mal no Franshegird;
Se formos mais longe,
podemos até mesmo fazer comparações entre o Deus Judaico Cristão e o conceito
da trindade com Ahura Mazda e os Amesha Spenta. Portanto, de certa forma,
podemos afirmar que grande parte do zoroastrismo, sem nem mesmo considerar seus
seguidores ainda existentes, sobrevive nas religiões praticadas atualmente no
mundo.
Referencias
THE
HISTORY OF MEDICINE IN ANCIENT PERSIA
AS RELIGIÕES QUE O MUNDO ESQUECEU. Flavia Galli
Tatsch. Editora Contexto.
Texto de Jorge Luis Silvério de Lima
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