sábado, 30 de maio de 2015

O Mazdeismo / Zoroastrismo, A religião do Império Persa e sua influencia sobre o Cristianismo, Islamismo e Judaísmo


O Zoroastrismo ou Mazdeismo, criado por Zaratustra (chamado de Zoroastro pelos gregos) é uma das mais antigas religiões monoteístas. Em sua época de ouro, foi a religião de Estado de três grandes impérios iranianos, dos séculos VI AC até VII DC. Segundo Flavia Galli Tatsch, “o conceito de livre-arbítrio, a noção de responsabilidade por seus atos e até mesmo pensamentos, a crença na ressurreição e de um julgamento final, que separará os bons dos maus, são alguns preceitos que influenciaram outras religiões, como o judaísmo, cristianismo e islamismo”,

Seu criador, Zaratustra Spitama, nasceu em uma região que hoje engloba o norte do Irã e sul do Afeganistão. A provável data de seu nascimento é entre 1500 e 1200 AC. Temos pouca informação sobre sua vida. Ele teria seguido a tradição e se tornado um sacerdote. Casou-se três vezes e levava uma vida simples e com poucos bens.

Aos 30 anos, durante um ritual de purificação, ele teve uma visão e se tornou então criador, sacerdote e profeta de uma nova religião. Ele percebe que a sabedoria e a bondade estavam separadas da fraqueza e da crueldade. Zoroastro acreditava estar sendo guiado diretamente por Ahura Mazda, o Ser Supremo e passou a transmitir sua mensagem na comunidade onde vivia.


Representação de Ahura Mazda
 

As novas ideias entraram em direto conflito com as praticas religiosas existentes e Zoroastro precisou fugir em busca de refugio contras as perseguições que sofria, encontrando então guarita na tribo da rainha Hutaosa e de seu marido Vishtaspa, estes que futuramente se converteriam à religião propagada por seu amigo e o protegeriam das perseguições.

Um grande ponto de conflito entre as ideias de Zoroastro com as antigas religiões era o conceito de salvação, independente de classes sociais, uma ideia de que todos seriam iguais após a morte, com seu destino final unicamente dependente dos atos que tiveram em vida. Isso afeta diretamente a aristocracia e o sacerdócio local. A crença em um único criador, o dualismo, a grande batalha cósmica e o julgamento final foram difíceis de serem aceitos pela comunidade que era até então politeísta.

 As antigas práticas religiosas do povo indo-iraniano, que viviam entre as terras das estepes ao sul da Rússia até o Volga, contava com um panteão de deuses concebido antropomorficamente. Seus deuses(daevas) eram ligados a fenômenos da natureza ou a conceitos diversos. Atar( fogo), Apa (água), Asman (céu), Zam ( Terra), Hyar (sol), Mah (lua), Vata e Vayu( deuses do vento). Airyaman (poder da amizade), Arshtat (justiça), Ham-Vareti (coragem) e Sraosha (obediência). Acima desses deuses, dois se destacavam. Eram eles: Apan Napat e Mithra. Eram amplamente venerados e a eles eram atribuídos muitos conceitos: ao primeiro, “juramento”, “verdade”, já a Mithra o “contrato”, o deus do sol, o maior dos fogos, a lealdade. Ambos tinham o titulo de Ahura, que significa “deus”, “senhor”.

 

AHURA MAZDA E A ESCOLHA ENTRE O BEM O MAL



Seguindo a tradição, após se tornar sacerdote aos 15 anos, Zaratustra vagou durante muito tempo em busca da verdade, até que finalmente a alcançou durante um ritual. Ao sair de um rio e retornar à margem, purificado pela água, ele teve uma visão. Um ser iluminado, Vohu Manah (o bom pensamento) o levou até a presença de Ahura Mazda e outros cinco seres divinos: Asha Vahishta( verdade perfeita), Spenta Armaiti (devoção sagrada), Khshathra Vairya (senhoria desejável), Haurvatãt (saúde, integridade) e Ameretãt (imortalidade). Essas 6 divindades já existiam e pertenciam ao panteão  de deuses indo-iraniano e foram incorporadas como “características de Mazda”, representando as virtudes, sendo nomeados de Amesha Spenta).

Mazda se tornou um dos maiores Ahuras do panteão iraniano, era venerado como guardião do Asha (Ordem da verdade, justiça). Zaratustra o proclamou Ahura Mazda, o Senhor Supremo, o imortal, Deus da sabedoria, o criador de todas as coisas, aquele de que emanavam todas as outras criaturas divinas, dando então origem ao monoteísmo indo-iraniano.

Em outra visão de Zoroastro, o criador estava acompanhado por seus dois filhos gêmeos, Spenta Mainyu (espírito benfeitor) e Angra Mainyu (espírito destruidor, ignorante, maligno, aquele que originou a morte). Nasce então o conceito da dualidade, o bem e o mal. Os espíritos deveriam escolher entre a verdade (asha) ou a falsidade, a maldade, mentira (drug), que existem em todos os pensamentos ou atos. Nessa teologia, o bem e o mal precedem o próprio criador, os gêmeos tiveram o livre-arbítrio para optar pelo caminho que quisessem seguir e suas escolhas foram baseadas na natureza de cada um. Dessa forma, Ahura Mazda não pode ser culpado pela origem do mal ou pela direção que seu filho Angra Mainyu seguiu, pois, o drug antecede a própria criação do espírito. Porém, em sua sabedoria, onipotência e bondade, o Senhor Supremo já antevia qual seria a opção dos filhos.

Esse preceito transformou a classificação dos deuses existentes na antiga religião, na qual Ahuras e Daevas eram seres divinos. A partir desse ponto, os primeiros seriam considerados como aqueles que optaram pelo asha, enquanto os últimos seriam forças destrutivas, demônios ou deuses da guerra, seguidores do drug.

O asha tem implicações éticas também na conduta humana. Sob esse ponto de vista dualista, os homens tem o livre-arbítrio para escolher entre os dois caminhos. O Mazdeísta (aquele que escolhia Azura Mazda) optava pelas virtudes e, portanto deveria lutar contra seus contrários, as forças demoníacas representadas pelos daevas.

A doutrina de Zoroastro estava apoiada em uma ética e moralidade que infundia nos homens a preocupação de viver sempre com bons pensamentos e atos e de terem responsabilidade sobe o mundo ao seu redor.

 

O MITO DA CRIAÇÃO E JULGAMENTO FINAL

 

Zoroastro dividiu a historia “cósmica” em três etapas distintas: Bundahishn (a criação), Gumecishn (a mescla) e Franshegird (a separação ou renovação).

O Bundahishn se deu em duas fases: na primeira, Ahura Mazda deu vida a todas as coisas em um estado espiritual e imaterial, Menog, totalmente vulnerável ao mal e passível de ataques por Angra Mainyu. Na segunda etapa, o estado inicial do Menog se transforma, originando e adquirindo o getig, (o aspecto material e físico da existência).

O Gumecishn é momento em que o espírito mal mata o touro e o homem primordiais, de cujos sêmens nasceram tanto de animais bons, quanto do primeiro casal humano (mashya e Mashyãnag). Nessa etapa, Angra Manyu se juntou aos devaes e espíritos maus (que havia criado para fazer frente aos Amesha Spenta) para atacar os homens e causar-lhes sofrimentos morais, espirituais e físicos. O mundo então não era mais totalmente bom, mas uma mistura entre o bem e o mal.

Na terceira etapa, Franshegird (renovação), marcada pela purificação do fogo e a transformação da vida, a humanidade se junta aos yazatas para restaurar o mundo a seu estado inicial, ou seja, antes da existência e dos ataques de Angra Mainyu. Nesse momento o bem é separado do mal, os justos dos injustos. É o tempo no qual Ahura Mazda, os seis Amesha Spenta e a humanidade viverão em perfeita harmonia pela bondade e paz eterna.

 

 O PENSAMENTO DO HOMEM DIANTE DA MORTE


 
Entre a primeira e a ultima etapa, está o momento em que o bem o mal se enfrentam, e é nesse momento que vivem os homens. Vamos ver então um pouco mais sobre a visão mitológica sobre como o adepto dessa crença religiosa vê a morte.

Após a vida, a morte carrega as almas de volta ao estado de menog. Três dias depois da separação do corpo, o espírito, acompanhado dos deuses Sraosha e Rashnu é levado até a ponte Cinvat, local onde será julgado por um tribunal presidido por Mithra (note aqui outra importante figura do panteão antigo que foi incorporado a essa mitologia). A alma é então pesada em uma balança e avaliada segundo seus pensamentos, palavras e atos: se o prato da balança pender para o bem, a ponte se alarga permitindo passagem da alma para o paraíso acompanhada por uma bela donzela (personificação da própria consciência, daena), mas se o prato pender para o mal, a ponte se estreita e uma terrível harpia leva a alma para o inferno que é presidido em pessoa por Angra Mainyu. Existia também um terceiro lugar onde as almas daqueles que não eram nem bons nem maus seriam encaminhadas, denominado Misvan Gatu (o lugar dos misturados). Segundo Zoroastro, mesmo estando no paraíso, as almas boas só alcançariam a felicidade plena no Frashegird, quando a terra devolveria os ossos aos mortos. Essa espécie de ressurreição, seria antecipada por um julgamento final, no qual um rio de lava e metal derretido separaria os justos dos injustos. Os maus sofreriam uma segunda morte, juntamente com os daevas e as legiões da escuridão. Seria assim então, finalmente derrotado Angra Mainyu e tudo que ele representava desapareceria do universo. Após essa vitoria, Ahura Mazda e os Amesha Spenta realizam um último ritual (yasna) no qual é feito um ultimo sacrifício e a morte é então suprimida. Dessa forma, os bons agora ressuscitados ganham a imortalidade, a vida eterna.

 

AS CERIMÔNIAS RELIGIOSAS



No principio a nova doutrina não tinha nenhum caráter ritualístico. Apesar de haver oposição ao culto dedicado aos daevas. Percebemos que algumas praticas oriundas de antigas regiões foram incorporadas, como a ingestão do Haoma(chá alucinógeno) e sacrifícios de animais. Zoroastro não tentava extinguir esses ritos, porem criticava tanto a crueldade aplicada aos animais quanto a absorção desmedida da bebida alucinógena. Com o passar do tempo e a adesão de novos fieis, o ritual diário de oração (yasna) passou a agregar novas formas de liturgia que se preservaram até os dias de hoje.

Grande parte dos rituais enfatiza a purificação da mente e do corpo e a constante batalha contra Angra Mainyu. O fogo é visto com o mais alto símbolo de pureza e representa a luz de Ahura Mazda bem como a mente iluminada. Por esse motivo, os cultos eram sempre realizados na presença de um fogo sagrado, que era mantido nos Templos do Fogo (agiaries).

Os iniciados da antiga religião indo-ariana tinham o costume de usar um cordão trançado ao redor do pescoço, como símbolo de pertencimento a comunidade religiosa. A nova doutrina apropriou-se desse simbolismo, porém, ampliou o uso e significado original: a iniciação é estendida a todos, independente de classe social ou sexo. Na cerimônia do Navjote ou Sedreh-Pushi, celebrada por um sacerdote (mobed), a criança entre 7 e 15 anos recebe um cordão (kusti) e enrola-o como um cinto três vezes ao redor da cintura, amarrado na frente e atrás. A partir de então e pelo resto de sua vida, deve atar e desatar o cordão repetidamente durante as preces. Zaratustra também estabeleceu a obrigação de cinco orações individuais diárias e a celebração de festas comunais.

 

 ZOROASTRISMO ONTEM E HOJE


 
Ao longo dos séculos, o zoroastrismo teve momentos de apogeu como religião de Estado de três grandes impérios e posterior declínio.

Séculos VI-IV AC, durante a dinastia Aquemenidas, unificou os reinos medos e persas e expandiu seus domínios pela Ásia menor, babilônia, norte da África até as margens do rio Danúbio na Europa, estabelecendo o primeiro Império Persa. Ciro o grande e seus sucessores praticaram a tolerância religiosa, porém privilegiavam o zoroastrismo e tentavam governar segundo os princípios do asha.

Após estar firmemente estabelecido, o zoroastrismo sofre um grande golpe com a invasão da Ásia Menor por Alexandre da Macedônia e a conquista dos territórios do império. Muitos sacerdotes são sacrificados e grande parte dos textos destruída.

Durante a dinastia dos sassânidas, muitos aspectos do zoroastrismo foram desenvolvidos, podemos citar: a compilação dos textos do avesta e dos gãthas, a promoção dos tempos do fogo, o impedimento de uso de imagens durante os rituais, a extensão da liturgia e escritura de textos sagrados, reformas no calendário zoroastriano que passou a ter 365 dias no ano.

A partir do sec VII Dc, árabes, turcos e mongóis alternaram-se no domínio da Pérsia. O golpe que o zoroastrismo sofreu foi ainda maior, tendo livrarias destruídas, imposição da língua árabe sobre o persa, conversões forçadas e humilhações sociais que tornaram a vida dos adeptos muito difícil. A antiga religião de Estado passou então a ser praticada por uma minoria. Chamados de parsi, seguidores de Zaratustra sobrevivem até hoje e estão dispersos pela Índia, Paquistão, Siri Lanka, Irã e até mesmo em alguns países do ocidente.


CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELIGIÃO

 
Pela simplicidade da religião persa, juntamente ao emprego da moral e preocupação com benfeitorias do mazdeísmo, o homem médio adaptava-se facilmente e se via encorajado à ação e a luta pelo progresso. Na luta contra o mal, o adepto do zoroastrismo tem uma vasta visão que se projeta na vida pós-morte onde suas boas ações seriam recompensadas.

Conclui-se que se a Antiguidade não tivesse concebido o cristianismo, teriam aceitado o Mitraísmo ou o maniqueísmo. O Mitraísmo, maniqueísmo e, Gnosticismo, são as principais expressões da influência religiosa persa.

Podemos perceber que o Mazdeismo absorveu diversos aspectos do politeísmo que o precedeu, como algumas das divindades, alguns símbolos e até mesmo certas práticas cerimoniais.

Ao observar essa religião, podemos perceber também claramente que ela teve grande influencia sobre o Judaísmo, Cristianismo e o Islamismo.

Em relação ao Cristianismo, que é a religião majoritária no Brasil, notamos as seguintes semelhanças:

1 - O conceito de bem e mal, ou seja, a dualidade;
2- Um Ser Supremo, que é o Deus criador de todas as coisas;
3- Semelhanças no mito de Lúcifer ao qual podemos equivaler a Angra Mainyu;
4 – Adão e Eva e o pecado original, ao qual podemos fazer referencia ao conto de mashya e Mashyãnag (o  casal original);
5 – O conceito de livre-arbítrio;
6- Paraíso/inferno/purgatório;
7 – O julgamento final;
8 – A ressurreição e a vida eterna após o Franshegird(Apocalipse);
9 – A derrota do mal no Franshegird;

Se formos mais longe, podemos até mesmo fazer comparações entre o Deus Judaico Cristão e o conceito da trindade com Ahura Mazda e os Amesha Spenta. Portanto, de certa forma, podemos afirmar que grande parte do zoroastrismo, sem nem mesmo considerar seus seguidores ainda existentes, sobrevive nas religiões praticadas atualmente no mundo.
 

Referencias

THE HISTORY OF MEDICINE IN ANCIENT PERSIA
AS RELIGIÕES QUE O MUNDO ESQUECEU. Flavia Galli Tatsch. Editora Contexto.
Texto de Jorge Luis Silvério de Lima

 

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